Mês de conscientização sobre o autismo, o Abril Azul tem como objetivo chamar a atenção da sociedade para a questão do TEA (Transtorno do Espectro Autista). O Dia Mundial de Conscientização é celebrado todo dia 2 de abril. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), estima-se que cerca de 70 milhões de pessoas são portadoras do autismo em todo o mundo, de acordo com dados divulgados na última década. O Brasil possui aproximadamente 2 milhões de autistas. Nos anos de 2020 e 2021, a comunidade envolvida com as causas do autismo adotou o tema único: “Respeito para todo o espectro” e a hashtag #respectro nas redes sociais.
Os desafios para a conscientização sobre o autismo na sociedade são inúmeros e precisam ser debatidos rotineiramente para uma melhor qualidade de vida das famílias com autistas. E para falar sobre esse assunto, a reportagem da Diocese de Santo André, com apoio do Setor Inclusão, entrevistou três mães de filhos autistas para abordar as barreiras, o preconceito, a superação e, sobretudo, o aprendizado e o amor em família.
“Ter um filho com autismo é renunciar da sua vida para viver de mãos dadas com seu filho a vida dele e juntos com Deus (uma mão não solta a outra), é um aprendizado diário é reaprender a viver”, conta a pedagoga Eliane do Carmo Meira, 55 anos, mãe do Matheus do Carmo Meira, 24 anos, deficiente visual total e autista (Quase Paróquia Nossa Senhora de Fátima – Ribeirão Pires).
“Ser mãe de um príncipe autista é poder ter a oportunidade de poder aprender diariamente o que significa a palavra amor. pois o que eles mais querem passar e receber é o amor”, atesta a jornalista Cibele Ferreira Gallinucci Campos, 36 anos, mãe do Gabriel Ferreira Gallinucci Campos, 6 anos, autista grau leve.
“Ser pai e mãe de uma pessoa com autismo nem sempre é fácil, mas eu não trocaria meu filho por isso”, revela a dona de casa Adriana Soares da Silva Biz, 42 anos, mãe do João Paulo Biz, 13 anos, autista.
Confira o bate-papo com as mães dos filhos autistas:
1 – Quais as principais barreiras que identifica em relação ao autismo na sociedade?
Eliane: As principais barreiras são o medo, o preconceito e a falta de políticas públicas. A dificuldade de incluir a pessoa em coisas que fazem parte do cotidiano de qualquer ser humano como escolas, igrejas, lazer… Enfim, coisas que deveriam ser normais, mas você tem que lutar para ter acesso. As pessoas precisavam entender que a inclusão das pessoas com deficiência não deveria existir, pois essas pessoas fazem parte da mesma sociedade. Não existe uma sociedade à parte. Não precisaria ter leis para garantir o direito, deveria ser normal. Essas divisões que colocaram na sociedade são muito desgastantes e humilhantes. Consegue entender?
Adriana: Na minha opinião. A maior barreira na sociedade é julgar o diferente como incapaz.
Cibele: Uma delas seria porque o autismo não tem cara, tanto nos graus leve, moderado, severo, asperger. Porque alguns autistas não conseguem ficar muito tempo em fila. E o autista não é que nem uma criança com Síndrome de Down, que tem ali a fisionomia ou qualquer outra deficiência que apareça. Então, as pessoas têm muito preconceito. Dizem: “ah, seu filho não é autista, não tem deficiência”, e com isso temos que ficar andando com laudo, ficar explicando, e muitas vezes acaba até a pessoa que está comentando gerando uma confusão. No meu caso, eu como mãe de uma criança autista, para mim não tenho problema de alguém comentar, porque aproveito e informo sobre a deficiência, me informo sobre as políticas públicas, sobre as leis, os direitos e os deveres. Então, a dificuldade seria essa mesma, por não ser uma deficiência que apareça, as pessoas não acreditam que a criança seja autista.
2 – Já sofreu preconceito? Qual?
Adriana: Sim. Ouvir, por exemplo, que “meu filho tem o mundinho dele’”. Isso não é real para o meu filho. Muito pelo contrário. Ele ama jogar vários jogos, assistir diferentes youtubers, animais…E isso é parte do mundo em que todos nós vivemos.
Eliane: Se já sofremos preconceitos? Vários….Desde pedirem para tirar seu filho da escola porque os outros pais não querem ele na companhia dos “filhos normais” deles, até pedirem para que enjaulasse o meu filho, porque era um perigo para a sociedade….
Cibele: Por incrível que pareça, o Gabriel vai fazer sete anos em junho, e até hoje nunca sofremos preconceito em nenhum lugar. No comércio, nos parques… Se por acaso aconteceu, não foi perceptível aos nossos olhos. O Gabriel fica bastante com meus pais e com eles também nunca aconteceu algum tipo de preconceito referente a ele. Não sei se é porque ele é uma criança sociável, gosta de conversar e logo se apresenta, mas conosco nunca aconteceu (algum tipo de preconceito).
3 – Como a sociedade deve ser conscientizada para que as pessoas com autismo sejam respeitadas e tratadas com dignidade?
Cibele: Através de informação e conhecimento. Décadas atrás, o autismo não era falado tanto nos consultórios médicos, e os próprios médicos quando percebiam um paciente que viria a ter autismo, ou ele diagnosticava com esquizofrenia ou passava para o colega atender. Então, antigamente não tínhamos redes sociais (para divulgação), as famílias evitavam falar sobre o assunto. E através do diagnóstico do Gabriel, minha mãe é uma pessoa que se tornou ativista da causa. Hoje em dia, através da informação, conversando com os pais, com as pessoas são abertas a falarem do diagnóstico, nos grupos, nas redes sociais. É fácil ter essa conscientização, através dos médicos, também. O importante é a pessoa ser esclarecida para poder ajudar a integrar os autistas na sociedade.
Adriana: Enquanto sociedade devemos estar conscientes de que os meus direitos vão até onde começa o do outro. Eu tenho direitos e deveres também com a sociedade.
Eliane: O primeiro passo é saber que o autismo não escolhe classe social, religião, nem tem um culpado. O autismo provavelmente é de origem genética, mas ainda não se tem estudos conclusivos. Que os pais não têm culpa, assim como a pessoa autista também não. Que o autismo não é transmissível. Que as crianças com autismo não nascem com “manual de instrução” e o diagnóstico é muito difícil. Portanto, essas pessoas e famílias devem ser acolhidas e entendidas pelas pessoas e não discriminadas e abandonadas por todos. Sabe a tal da ” empatia”, nesses casos raramente existe… Se você não conhece, procure perguntar “no que eu posso te ajudar?”. Isso já estaria de bom tamanho para começar a serem respeitados.
4 – Quando ocorreram os primeiros sinais e o diagnóstico?
Eliane: No caso do meu filho, que é deficiente visual total, o diagnóstico veio tardio com 9 anos. Os primeiros sinais já aconteciam desde bebê, quando por muitas vezes você falava com ele e o mesmo nem tomava conhecimento.
Cibele: Começamos a desconfiar, porque ele demorou um pouco para andar, para falar, tem hipersensibilidade auditiva. Então, os barulhos dos fogos de artifício nas festas de fim de ano eram totalmente terríveis para os ouvidos dele. Entrava em crise. Fora isso, a fixação por carros (de brinquedo), tinha o hábito enfileirá-los em cima da mesa. Não era normal. Ele não dava vida para esses brinquedos, e a pediatra dele, percebendo esses relatos, com olhar clínico dentro do consultório, encaminhou para fazer fono e exames, e assim o diagnóstico dele veio após dois anos e oito meses.
Adriana: Ele tinha 1 ano e 4 meses. Ele parava de falar de um dia para o outro, imediatamente já procurei a pediatria dele, na época, suspeitava de autismo,nunca havia ouvido essa palavra. Fui pesquisar o que era… O diagnóstico só foi fechado quando ele tinha 7 anos.
5 – Qual a sua reação ao receber a notícia?
Adriana: Ter um diagnóstico na vida não é fácil, porque digo isso? Porque eu idealizei meu filho, fiz projetos para meu filho, claro, achando que seria sempre o melhor para ele. Eu chorei muito, muitas vezes,muitos dias, não sou capaz de contar quantas vezes meu marido me deu colo, literalmente colo, rezou comigo, rezou por mim, cuidou de mim, sempre serei grata a ele.Mas eu sempre quis saber o que realmente meu filho tinha, porque eu queria cuidar dele e ensiná-lo, buscar com ele e para ele toda dignidade que um ser humano merece, igualzinho eu cuidava dos dois irmãos dele que são neurotípicos. A minha intenção nunca foi parar no diagnóstico, e sim usar dele para saber a direção que deveríamos tomar para buscar com o meu filho, o melhor para ele.
Cibele: Não foi fácil para ninguém da família. Quem deu a notícia foi a neuropediatra dele. Nosso mundo acabou. Para o meu marido foi um pouco mais difícil. Começou a chorar, o medo da exclusão, da sociedade, da dificuldade. Para mim foi um pouco mais fácil, porque o meu pai tem um irmão, por volta de 75 anos, com deficiência intelectual de severo para moderado, uma pessoa super amorosa. Não que o diagnóstico fosse algo normal. Fiquei preocupada e com medo, também. Quando cheguei em casa, peguei as guias para realizar alguns exames, marcar terapias, e por ter trabalhado numa revista voltada para pessoas com deficiência (Ciranda da Inclusão), conversava muito com deficientes físicos, intelectuais, pais, professores e profissionais de saúde. Então, o diagnóstico do Gabriel é um aprendizado diário para nós.
Eliane: Receber a notícia do autismo para mim, veio como um alívio, porque eu já desconfiava, mas médicos, terapeutas e professores achavam que era coisa da minha cabeça, que eu queria super proteger meu filho. Foi um alívio, porque com o diagnóstico, eu pude correr atrás para entender seu comportamento e ajudar, porque é sofrido para ambos, tanto para a família como para a pessoa com autismo que tem certas atitudes que muitas vezes não sabem falar “o por quê”, ou o que estão sentindo ou precisando… Já que a comunicação deles é muito prejudicada.
6 – Qual o principal aprendizado de ter uma pessoa autista na família?
Adriana: Um dos maiores ensinamentos é você ver o quanto um ser humano pode ser bom. Só querer o bem do outro a todo momento, Isso me encanta no meu filho, e com isso quando me deparo com atitudes indevidas, eu penso o que levou ou que está levando essa pessoa a ter essa atitude,o meu filho me leva a procurar ser uma pessoa melhor para os outros.
Cibele: Costumo dizer que não é o Gabriel que aprende com a gente. É a gente que aprende muito com o Gabriel. A cada dia ele me surpreende muito. Ele é uma pessoa muito sensível, muito amorosa. A gente aprende a palavra amor. O que eles mais querem é receber e passar amor. É o que eles mais sabem fazer. Então, o aprendizado que tenho com meu filho, minha família, todas as pessoas que rodeiam o Gabriel, é o amor que ele dá ,a alegria de viver, a força de vontade de aprender as coisas.
Eliane: O principal aprendizado é que nunca sabemos de tudo, que temos que reaprender muita coisa. Você aprende a ser forte, mesmo querendo jogar tudo para o alto. Você aprende que precisa descansar, mas nunca desistir. Você aprende que o mundo pode soltar a sua mão, mas Deus te sustenta e está sempre de mãos dadas com você.
Source: Diocese