Comecemos pelo começo… O que hoje chamamos de Festas Juninas e se caracteriza por cores e sabores, tem, sim, origem religiosa.
Uma rápida pesquisa[1] mostra que a chamada “festa junina é uma tradicional festividade popular no Brasil que acontece todo mês de junho e foi trazida para nosso país pelos portugueses durante a colonização”. Comum em todas as regiões do Brasil, principalmente no Nordeste, e chegada a estas terras no século XVI, possuía inicialmente uma conotação estritamente religiosa e era realizada em homenagem a santos como São João e Santo Antônio.
É verdade que, ao apontar suas origens, os historiadores a remetem às festividades pagãs realizadas na Europa na passagem da primavera para o verão (que no hemisfério norte ocorre no mês de junho), e que eram realizadas como forma de afastar os maus espíritos e qualquer praga que pudesse atingir a colheita. Assim como outras comemorações realizadas por diferentes povos pagãos europeus, essas festas também começaram a ser cristianizadas a partir do momento em que o Cristianismo se consolidou como a principal religião do continente europeu. Era, aliás, prática comum da Igreja Católica promover uma aculturação de tais festividades para facilitar a conversão dos diferentes povos pagãos: incorporava-as ao calendário católico e acrescentava a elas elementos cristãos. As roupas, músicas e comidas típicas que passaram a caracterizar as festas juninas, foram-se adaptando às feições próprias de cada região do Brasil e muitos são os brasileiros que guardam, entre as memórias da infância, não apenas o gosto da canjica, da pamonha e do pé-de-moleque, mas a experiência de aquecer-se ao redor das fogueiras e iniciar-se na arte de fazer e soltar balões – coisa tão linda que, com o passar do tempo, inscreveu-se no rol das causas de trágicos incêndios.
Em nossa Diocese as quermesses – que no meu tempo de criança eram uma forma de diversão simples e, claro, uma fonte de renda para as obras paroquiais – cresceram e, até certo ponto, se sofisticaram. Algumas tornaram-se famosas e seus frequentadores nem sequer as relacionam com possíveis origens religiosas, mas apenas com um agradável e apetitoso entretenimento nas noites frias de junho.
A Igreja Católica que há alguns séculos sentiu a necessidade de “aculturar” as festas pagãs, hoje fala em “inculturar” de Evangelho certas manifestações socioculturais, para iluminá-las pela luz da fé (cfr. Documento de Santo Domingo, 23).
Celebrar os santos juninos – Santo Antônio, São João Batista e São Pedro – é, portanto, restaurar as origens de suas festas, “inculturando-as” com os valores próprios das celebrações dos santos que a Igreja venera, tão bem descritos na Constituição Dogmática Lumen Gentium (50): “Não é só por causa do seu exemplo que veneramos a memória dos bem-aventurados, mas ainda mais para que a união de toda a Igreja no Espírito aumente com o exercício da caridade fraterna. Pois, assim como a comunhão cristã entre os cristãos ainda peregrinos nos aproxima mais de Cristo, assim também a comunhão com os santos nos une a Cristo, de quem procedem, como de fonte e Cabeça, toda a graça e a própria vida do povo de Deus.”
Como forma de catequese permanente, deveria a Igreja procurar atingir, todos os anos, aqueles fiéis que, talvez atraídos pela quermesse, acabem participando, também, da celebração da Santa Missa. Afinal, o legado de Santo Antônio – que é de Portugal e é de Pádua – não se pode resumir ao devocionário popular que o tornou conhecido como o “santo casamenteiro”. Assim como não pode São João Batista, o corajoso precursor, que encarnou tão bem a figura do profeta que anuncia e denuncia, ser lembrado como aquele ao qual se fazem algumas “simpatias” e se acende a fogueira na data que comemora seu nascimento. Nem pode São Pedro, o pescador a quem foi confiada tão importante missão no nascimento da Igreja, remeter, na memória de tantos, àquele que, de posse das chaves, atua como “porteiro do céu”.
Sabemos que falta à piedade do nosso povo a riqueza que é capaz de proporcionar o conhecimento das vidas dos santos mais populares. Tal conhecimento não apenas preencheria a lacuna da formação, como levaria a uma devoção ainda mais significativa àquelas figuras por muitos apenas relacionadas com as festas juninas.
Vivemos em tempos nos quais o desenvolvimento tecnológico pode ser, ao mesmo tempo, bênção e maldição. A Internet, a ilimitada vitrine que democratizou a informação e o conhecimento, a ponto de quase transformar o mundo na utopia da “aldeia global”, invade diariamente um número cada vez maior de lares com incontáveis maravilhas e igual número de mentiras travestidas de verdades.
Cabe à Igreja, Povo de Deus que vive dentro e fora dos templos, explorar o aspecto ‘virtuoso’ do mundo ‘virtual’… No caso específico de celebrar os santos de junho, não são poucos os filmes que contam suas vidas, nem é difícil o acesso aos museus em cujo acervo estão obras de arte que contam suas histórias, nem é impossível descobrir nas bibliotecas textos que relatam de forma compreensível os grandes feitos de suas vidas. Sem contar a inigualável contribuição que as inúmeras congregações religiosas que seguiram as pegadas dos santos de junho poderiam fornecer em termos de subsídios para conhecimento e formação.
Acima de tudo, entretanto, sempre estará a Celebração Eucarística que faz a memória de cada um deles, mostrando sua verdadeira face: a do discípulo missionário que, vivendo em seu respectivo tempo como “Igreja em saída” tornou e torna possível que nós sejamos, hoje, atores responsáveis na construção do Reino.
* Artigo escrito por Maria Elisa Zanelatto
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Referências
[1] SILVA, Daniel Neves. “Origem da festa junina”; Brasil Escola. https://brasilescola.uol.com.br/detalhes-festa-junina/origem-festa-junina.htm.
Source: Diocese