Bento XVI faleceu no último dia do ano passado, aos 95 anos de vida. Longa vida dedicada a Deus e à Igreja desde sua juventude, quando ingressou no seminário para se tornar padre. Foi um dos maiores teólogos do seu tempo. Uniu fé e razão, produzindo obras profundas e de fácil compreensão, arte que somente grandes pensadores sabem exercer.
Como papa publicou uma encíclica intitulada: “Deus é amor” (Deus caritas est), que talvez sintetize o itinerário teológico por ele percorrido, na senda do seu mestre Santo Agostinho. Ele aponta para o mistério do amor-caridade. O amor de Deus envolve tudo, é eletricidade que não se vê, mas pode-se sentir quando o buscamos. O último escrito do Papa Bento, porém, expressa não somente seu raciocínio privilegiado, mas também seu grande coração. E aqui peço licença para transcrevê-lo pois vale a pena ler:
“Se nesta tarda hora da minha vida olho para as décadas que percorri, como primeira coisa vejo quantas razões tenho para agradecer. Agradeço antes de tudo ao próprio Deus, o dispensador de todo bom dom, que me doou a vida e me guiou através de vários momentos de confusão; levantando-me sempre toda vez que começava a escorregar e dando-me sempre novamente a luz da sua face. Retrospectivamente vejo e compreendo que mesmo os trechos obscuros e cansativos deste caminho foram para a minha salvação e que justamente neles Ele me guiou bem.
Agradeço meus pais, que me doaram a vida e que, a custa de grandes sacrifícios, com o seu amor me prepararam uma morada que, com sua clara luz, ilumina todos os meus dias até hoje. A lúcida fé de meu pai me ensinou a crer, e como indicador sempre foi firme em meio a todas as minhas aquisições científicas; a profunda devoção e bondade de minha mãe representam uma herança à qual jamais poderei agradecer suficientemente. Minha irmã me assistiu por décadas de maneira desinteressada e com afetuoso cuidado; meu irmão, com a lucidez dos seus juízos e a sua vigorosa determinação, sempre me abriu o caminho; sem este seu contínuo preceder-me e acompanhar-me, não poderia ter encontrado o caminho justo.
De coração agradeço a Deus pelos muitos amigos, homens e mulheres, que Ele sempre colocou ao meu lado; pelos colaboradores em todas as etapas do meu caminho; pelos mestres e os estudantes que Ele me deu. Agradecido, confio a todos à Sua bondade. E quero agradecer ao Senhor pela minha bela pátria. Rezo para que a nossa terra permaneça uma terra de fé e vos peço, queridos compatriotas: não vos distraiais da fé. E finalmente agradeço a Deus por todo o belo que pude experimentar em todas as etapas do meu caminho, especialmente, porém, em Roma-Itália, que se tornou a minha segunda pátria.
A todos aqueles que de algum modo tenha cometido um erro, peço perdão de coração.
Aquilo que antes disse aos meus compatriotas, o digo agora a todos aqueles que na Igreja foram confiados ao meu serviço: permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir! Com frequência, parece que a ciência – as ciências naturais de um lado e a pesquisa histórica (em particular a exegese da Sagrada Escritura) de outro — seja capaz de oferecer resultados irrefutáveis em contraste com a fé católica. Vi as transformações das ciências naturais desde tempos remotos e pude constatar como, ao contrário, tenham desaparecido aparentes certezas contra a fé, demonstrando-se ser não ciência, mas interpretações filosóficas somente aparentemente incumbentes à ciência; assim como, por outro lado, é no diálogo com as ciências naturais que também a fé aprendeu a compreender melhor o limite do alcance de suas afirmações e, portanto, a sua especificidade. São pelo menos 60 anos que acompanho o caminho da Teologia, em especial das Ciências Bíblicas, e com o subseguir-se das várias gerações vi ruir teses que pareciam inabaláveis, demonstrando-se serem simples hipóteses.
Por fim, peço humildemente: rezem por mim assim que o Senhor, não obstante todos os meus pecados e insuficiências, me acolher nas moradas eternas. A todos aqueles que me são confiados, dia após dia, vai de coração a minha oração, Papa Bento XVI”
* Dom Pedro Carlos Cipollini – Bispo de Santo André
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