Certamente, com a proximidade das Quaresma, você e sua comunidade já começam a se preparar à Páscoa do Senhor. Na imposição das Cinzas, início da Quaresma, ouviremos um grande convite: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. A conversão é um elemento forte da espiritualidade quaresmal, trata-se, sobremaneira, de mudar de rota, de percurso, sem ignorar o ponto de partida. Na ordem da graça, o Batismo é nosso ponto de origem: nos torna filhos de Deus e membros do Seu povo. Neste sentido, a Quaresma deve ser vivenciada com este espírito de conversão, buscando refazer percursos que fizemos mal, reintegrando aquilo que nos faltou, internalizando cada vez mais os valores do Reino de Deus propostos e vividos por Jesus, nosso Senhor.
Neste percurso de conversão quaresmal, ganha destaque a penitência como aceitação ao convite divino a abrir o coração para viver como Jesus viveu: confiando em Deus, servindo aos irmãos. Ao falarmos de penitência quaresmal, logo pensamos em aumentar nosso tempo de oração diária, em eliminar da nossa alimentação algo que nos apraz, ou ainda em deixar de realizar certas atividades que nos são prazerosas. Certamente isto tem seu valor, conforme atesta a tradição cristã. Devemos, no entanto, ampliar nosso horizonte de reflexão para vivenciarmos verdadeiramente a espiritualidade quaresmal.
A fé da Igreja não é mera enunciação de doutrinas, mas experiência pessoal com o Pai em Jesus Ressuscitado, pela força do Espírito Santo. Este encontro incide sobre todos os aspectos da vida humana e, por isso, a conversão quaresmal também deve iluminar toda nossa vida! Numa sociedade marcada pelo mérito e pelo individualismo exacerbado, urge voltarmos também nosso olhar para nossa responsabilidade social, afinal a Doutrina Social não é acessória, mas brota do mesmo encontro com Jesus.
Deste modo, é preciso reorientarmos nossa vida com a penitência quaresmal em muitos sentidos, num olhar mais amplo do que aquilo que tradicionalmente realizamos. O primeiro destes sentidos é o pessoal. Cabem aqui muitos modos de vivenciar este período de conversão: rezando melhor, fazendo as penitências propostas, realizando cotidianamente o exame de consciência para identificar as luzes e trevas em nossa vida, entre outros. O segundo sentido é o comunitário, pois somos membros do mesmo povo, o Povo de Deus. Aqui valem inúmeras iniciativas: participar dos momentos penitenciais propostos pela comunidade, favorecer encontros de reflexão bíblica, buscar a paz com aqueles com quem nos desentendemos, ofertar alimentos e outros materiais para os pobres e assim por diante.
O terceiro sentido é o social, pois, além de formarmos um só Povo de Deus, estamos todos interligados nesta Casa Comum, como nos ensina o Papa Francisco. A conversão das estruturas da sociedade também é desejada por Deus, uma vez que “os pecados provocam situações sociais e instituições contrárias à Bondade divina” (Catecismo da Igreja Católica, 1869), ou ainda, como nos admoesta o profeta Isaías: “Invocarás o Senhor e ele te atenderá; pedirás socorro, e ele dirá: “Eis-me aqui”. Se destruíres teus instrumentos de opressão e deixares os hábitos autoritários e a linguagem maldosa” (Is 58,9). Assim, cabe ressaltar o profético trabalho da Igreja no Brasil com a Campanha da Fraternidade, que, neste ano de 2023, refletiremos sobre a horrenda situação da fome e pediremos luzes dos Céus para obedecer ao mandato de Jesus a seus discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), a fim de que nossa sociedade se transforme radicalmente.
Para bem vivenciar esta espiritualidade quaresmal é necessário revisitar todas as áreas de nossa vida. Sem uma séria adesão à conversão pessoal, comunitária e social nossa Quaresma será minguada. Que Deus nos conceda um favorável tempo de penitência, para que juntos, com os irmãos e com nossa sociedade, possa brilhar sobre todos nós o esplendor do Cristo Ressuscitado.
* Pe. Cauê Ribeiro Fogaça
Vigário Paroquial da Paróquia Sagrada Família/SBC – Anchieta
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