Duas datas importantes para a reflexão sobre a inclusão de surdos e pessoas com deficiência auditiva na sociedade são recordadas na segunda quinzena deste mês: neste 23 de abril, o Dia Nacional da Educação dos Surdos, e neste 24 de abril, o Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Da Missão Mãos que Evangelizam, o pedagogo bilíngue Odirlei Roque de Faria, 38 anos, destaca a relevância dessas duas datas para a comunidade surda e aprofunda a experiência da comunicação por Libras.
“Essas datas nos ajudam a entender algo de muita importância para os surdos, não somente no Brasil, mas em todo o mundo. Primeiro, a língua é um pilar de identidade para essa comunidade, para esse sujeito que tem uma maneira diferente de se comunicar. Uma forma de expressar com o corpo, com os olhos, com a boca, com o rosto, com movimentos, com espaço, uma língua realmente que nos lembra muitos elementos cênicos, de teatro, ou seja, uma língua muito diferente da nossa língua oral. Uma língua que se organiza e se expressa de uma maneira muito diferente da nossa maneira ouvinte de pensar”, explica o especialista em Libras.
Cultura e identidade
Segundo Odirlei, todo povo e comunidade tem a sua identidade construída a partir da cultura e da língua materna , como um elemento de base que sustenta o seu jeito de pensar, de ser e de agir. “E assim também é para a comunidade surda. É na linguagem que se estabelece essa identidade de ser humano, de ser uma pessoa que compreende o mundo e é compreendida por ele”, cita
“Portanto, quando falamos também da educação de surdos, podemos falar de escolas bilíngues para surdos e diferentes organizações que vão tentando assegurar a língua de sinais como meio de comunicação e de educação das pessoas surdas, ou seja, é pela língua de sinais que as pessoas aprenderão a construir a identidade, se constituir enquanto sujeito, aprender a ler, escrever e ser uma pessoa como todas as outras, ser um cidadão como todos os demais”, complementa.
Aprendizado online
Com a chegada da pandemia da Covid-19, os desafios nas áreas da educação e da evangelização se acentuaram com as medidas de distanciamento social e a impossibilidade de encontros presenciais em boa parte do ano de 2020 e neste primeiro quadrimestre de 2021.
“Enquanto não havia pandemia, a Nicole (filha surda de Valdirene) estava muito bem incluída tanto na igreja, quanto na sociedade. Participávamos de missas com intérpretes (de libras). Eu percebia o grande interesse dela ir à missa, aos encontros, aos retiros. Na escola tem o ensino bilíngue, então, ela é alfabetizada juntamente com português e a língua materna dela”, conta a professora Valdirene Borela da Fonseca Lotti, 36 anos, mãe da Nicole, 8 anos.
No entanto, as limitações de participação presencial e as adaptações ao ensino online trouxeram grandes barreiras para Nicole. “Ela participava de todas as aulas, das atividades, mas a gente percebe que não tem o mesmo desenvolvimento como (da atividade) presencial. Claro, isso acredito que seja para todos, mas como ficar em casa é o mais seguro, não tem outra alternativa no momento”, relata.
Evangelização em casa
Na questão da fé, a evangelização pelo universo virtual também apresenta algumas barreiras. “Nas missas presenciais participávamos com intérpretes (de libras). Com o fechamento das igrejas (em determinados períodos da pandemia), percebi que ela ficou sem acesso. Mesmo na TV, há grande dificuldade para achar transmissão com intérprete de libras. Faz muita falta (atividade presencial). Então, compromete um pouco o desenvolvimento da fé”, argumenta.
Por outro lado, um aspecto positivo identificado por Valdirene é que a rotina caseira fez com que Nicole oralizasse mais. “O fato dela ter a convivência com os ouvintes desenvolve a fala mais perfeita. Enfim, têm os prós e contras de ficar o maior período dentro de casa. Porém, percebemos a falta que ela tem de ter o contato com a comunidade surda, com os amigos e os professores”, evidencia.
Sementes de inclusão
Odirlei faz uma provocação sadia, ao questionar se estamos de fato abraçando a causa da inclusão dentro das famílias, na sociedade e na igreja.
“Precisamos fazer essa reflexão. Avançamos muito como igreja, mas ainda temos muito a fazer. Precisamos de mais surdos dentro da igreja, mais espaços para catequistas, religiosos surdos, de padres com língua de sinais para atender confissão. Mais acessibilidade nas paróquias. E assim cumprir aquilo que Deus quer de nós”, ressalta.
Por fim, o pedagogo pondera que os cristãos católicos em missão devem plantar sementes em cada local por onde passam pelas cidades, a fim de que a sociedade seja mais humana, mais acessível e mais acolhedora junto à comunidade surda.
“Para que todos tenham um atendimento adequado, o que é de fundamental e de direito de cada pessoa”, conclui.
Source: Diocese