A questão do transplante e mais que isto, da doação de órgãos está em pauta na mídia social com o episódio do apresentador Faustão. São muitas as perguntas, mais ainda as dúvidas. Deve-se incentivar a doção de órgãos? Convido o amável leitor ou leitora a refletirmos sobre o tema.
Há um documento do Comitê Internacional de Bioética, de 7 de outubro de 1991, com o título: “Doação de órgãos para fins de transplante”. Nele, já se constata a necessidade da doação para salvar vidas, dado o número crescente de pessoas que esperam por doação. Muitas vidas poderiam ser salvas. No Brasil, tem legislação sobre o assunto: Lei nº. 9434 de 04/02/1977, regulamentada por decreto. N. 2268 de 30/06/1997.
A doação consiste num procedimento médico no qual alguém, por livre decisão, doa um órgão ou parte dele, em benefício de outra pessoa. A doação pode ser feita pela pessoa em vida, para que, após a morte seja efetuada com ciência e anuência dos parentes, como é o caso da medula óssea, do rim etc. Pode ser feita após a morte com órgãos vitais como o coração, ossos e tecidos.
São quase três mil pessoas que morrem todos os anos à espera de um transplante de órgãos no Brasil, de acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. As dúvidas e o medo a respeito do tema representam um obstáculo. A recusa em doar órgãos tem seus motivos: incompreensão da morte encefálica; falta de preparo de equipes médicas para operacionalizar a doação e a religião.
Quanto a esta última causa, existe hesitação entre muitos cristãos, devido a não terem certeza do que diz a Bíblia sobre o assunto. Há um entendimento que a doação de órgãos poderia interferir na ressurreição dos corpos no último dia. Mas na verdade, a doação de órgãos em nada interfere na ressurreição, que não está ligada a esta carne que se desfaz. Na ressurreição, nosso corpo carnal se desfaz e Deus nos dá um “corpo espiritual” (cf. 1Cor 15,44), como Jesus havia falado da semente que cai na terra, se desfaz, mas dela nasce uma planta (Jo 12,24).
Na perspectiva cristã é a caridade que nos faz semelhantes a Jesus Cristo, que não só nos doou um órgão, mas na cruz doou-se todo por inteiro, para nos salvar. Assim, uma doação de órgão, na perspectiva cristã, só pode ser vista e aceita dentro do respeito absoluto à dignidade da pessoa humana, a generosa doação de um lado e a gratidão de outro.
Visto desta perspectiva, a doação e transplante de órgãos não é uma simples intervenção cirúrgica, mas um ato de oferta do doador, gesto de amor que dá a vida. O médico se transforma então em mediador do dom de si realizado por uma pessoa – até depois da morte – para que o outro possa viver. “A doação não é apenas um ato de responsabilidade social, mas uma expressão de fraternidade universal que une todos os homens e mulheres” (Papa Francisco).
Fica o desafio de se construir uma nova cultura ética, que amplie o espaço da solidariedade, que une doador e receptor para que vença a vida.
*Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André
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