O bispo da Diocese de Santo André e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Dom Pedro Carlos Cipollini, proferiu palestra online na manhã desta quinta-feira (30/09), com o tema: A Finalidade do Estado Segundo o Cristianimo, para advogados da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) da 39ª Subseção de São Bernardo.
O encontro foi promovido pela Comissão de Estudo da Teoria Geral do Estado da OAB SBC, com apresentação do presidente da comissão, Dr. Sergio Andrade Yendo, e pode ser conferido na íntegra aqui .
Durante a explanação, Dom Pedro aprofundou a relação entre Igreja e Estado na busca do bem comum, o papel da Igreja na sociedade, o papel do Estado em relação aos direitos e deveres dos cidadãos, e os princípios da doutrina social da Igreja (Dignidade da Pessoa Humana, da Subsidiariedade, da Solidariedade, do Bem Comum e da Destinação Universal dos Bens, a Primazia do Trabalho sobre o Capital).
“A sociedade cada vez mais globalizada nos torna vizinhos, mas não nos faz irmãos. O Papa Francisco nos alerta sobre isso: ‘nunca estivemos tão próximos uns dos outros, mas isto não nos faz irmãos. É preciso vontade de criar a fraternidade! O amor que se estende para além das fronteiras está na base daquilo que chamamos de amizade social, em cada cidade, em cada estado, em cada país”, reflete Dom Pedro, ao se referir a “Fratelli Tutti”, encíclica do sumo pontífice que completará um ano de sua publicação, neste mês de outubro.
De acordo com o bispo, se for genuína, essa amizade social dentro de uma sociedade é condição para possibilitar uma verdadeira abertura universal. “O percurso para a paz não implica homogeneizar a sociedade, mas permite-nos trabalhar juntos, pode unir muitos nas pesquisas comuns, onde todos ganham. A Igreja se compreende como servidora da humanidade, na prática do Cristianismo, e tem atitude de colaboração com todas as forças da sociedade que promovem a vida, com base na sua crença e nos princípios basilares que sustentam a sua atuação em um estado laico”, analisa.
Antes do final da palestra, Dom Pedro também fez citação a uma frase do Papa Pio XII: “A fé em Deus e em Jesus Cristo ilumina os princípios morais, o único e insubstituível alicerce daquela estabilidade e tranquilidade, daquela ordem externa e interna, privada e pública, única, que pode gerar e salvaguardar a prosperidade dos estados”, trecho retirado da Carta Encíclica Summi Pontificatus (1939).
Princípio da Dignidade Humana
Segundo Dom Pedro, os princípios da doutrina social da Igreja inspiram a relação da Igreja com o Estado. “O que a Igreja Católica oferece em termos de colaboração com o Estado, além de todas as obras caritativas, assistenciais, a Igreja tem uma doutrina social consolidada com alguns princípios, uma história milenar e lastro que remonta o profetismo bíblico, da defesa da pessoa, principalmente os pobres”, salienta.
“A colaboração que a Igreja dá ao Estado é alertar sempre da dignidade da pessoa humana”, afirma o palestrante, ao recordar a evolução da Igreja desde a encíclica Rerum Novarum (1891), escrita pelo Papa Leão XIII, passando pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e chegando ao Compêndio da Doutrina Social da Igreja (2004), no pontificado do Papa João Paulo II, que destaca dentre os princípios, o primeiro da centralidade da dignidade integral da pessoa humana.
“É tarefa do Estado defender o ser humano naquilo que lhe é por direito conferido por Deus, que o criou. Todo ser humano tem direito de viver com dignidade e se desenvolver integralmente”, reitera Dom Pedro.
Princípio da Subsidiariedade e Participação
A ação do Estado e de outros poderes públicos deve se conformar com o princípio da subsidiariedade para criar situações favoráveis ao livre exercício da atividade econômica. Esta deve se inspirar também no princípio da solidariedade e estabelecer os limites da autonomia das partes para defender a parte mais frágil. Dom Pedro faz referência acima ao nº 351 do Compêndio da Doutrina Social da Igreja: “O Estado tem o dever de secundar as atividades das empresas, criando as condições que garantam ocasiões de trabalho, estimulando-a onde for insuficiente e apoiando-a nos momentos de crise. O Estado tem também o direito de intervir quando situações particulares de monopólio criem atrasos ou obstáculos ao desenvolvimento. Mas, além destas tarefas de harmonização e condução do progresso, pode desempenhar funções de suplência em situações excepcionais.”
Princípio da Solidariedade
Esse princípio é muito importante em qualquer sociedade. A Igreja propõe às organizações privadas sem fins lucrativos no âmbito econômico, nos serviços sociais, na instrução, na saúde, na cultura, que caracterizam tais organizações, a corajosa tentativa de unir harmoniosamente eficiência produtiva e solidariedade.
“O estado deve proporcionar o maior bem comum às pessoas, a afinidade de viver. Se pensarmos no Brasil, o cidadão pede muito pouco, casa, comida, segurança, o necessário para viver. O estado deve ser caracterizado pelo exercício de uma verdadeira solidariedade, que como tal não deve ser separada da subsidiariedade. Então, o Estado tem o dever de promover a solidariedade. Também é preciso que os cidadãos tenham uma consciência de solidariedade para a colaboração. O Estado deve fomentar essa sociedade, mas muitas vezes o estado acaba fomentando a divisão”, alerta Dom Pedro.
Um exemplo de iniciativa solidária da Igreja mencionado pelo bispo na Diocese de Santo André é o Vicariato Episcopal para a Caridade Social, que atua em parceria com os poderes públicos, órgãos municipais e entidades da sociedade civil.
Princípio do Bem Comum
As exigências do bem comum derivam das condições sociais de cada época e estão estreitamente conexas com o respeito e com a promoção integral da pessoa e dos seus direitos fundamentais. Essas exigências referem-se, antes de mais, ao empenho pela paz, à organização dos poderes do Estado, a uma sólida ordem jurídica, à salvaguarda do ambiente, à prestação dos serviços essenciais às pessoas, alguns dos quais são, ao mesmo tempo, direitos do homem: alimentação, morada, trabalho, educação e acesso à cultura, saúde, transportes, livre circulação das informações e tutela da liberdade religiosa. (nº 166 da Doutrina Social da Igreja). “É dever do cidadão colaborar com os poderes civis para o bem da sociedade, no espírito de verdade, de justiça, solidariedade e liberdade. E o Estado deve trabalhar, desenvolver políticas públicas eficientes em vista do bem comum”, sintetiza Dom Pedro.
Princípio da Destinação Universal dos Bens e Primazia do Trabalho Sobre o Capital
O mundo criado é propriedade de Deus, que o compartilha com o homem. O ser humano é colaborador e cuidador, zelador usufrutuário dos bens da criação, mas não é dono. A Igreja reconhece o direito da propriedade privada, mas o mesmo está subordinado à destinação universal dos bens, ou seja, há o direito à propriedade privada, mas há um direito acima desta, que é a destinação universal dos bens. “Tudo é de toda a humanidade, assim sendo o uso egoísta e exclusivista das riquezas é incompatível com a fé cristã”, reflete Dom Pedro.
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Compêndio da Doutrina Social da Igreja
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