Muitos pensam que o pior já passou. Refiro-me à pandemia que estamos vivendo. É verdade que diminuiu o número de vítimas, mas também é verdade que surgem muitas situações, nas quais as consequências da pandemia recomendam cuidado e vigilância constantes.
Conta-se que um jovem foi em seu camelo até a tenda de um mestre. Desceu do camelo, entrou no templo onde estava o mestre e disse-lhe: “Tenho tanta confiança em Deus que deixei meu camelo lá fora, solto e sei que Deus protege os interesses dos que o amam”. Então, volte e prenda o seu camelo, disse o mestre, pois Deus não gasta tempo ocupando-se daquilo que você é capaz de fazer sozinho. Moral da história: nós não podemos abusar da confiança e deixarmos de tomar os devidos cuidados que a pandemia exige de nós.
O bom senso recomenda que continuemos usando a máscara, higienizando as mãos, respeitando o distanciamento físico, em especial não provocando aglomerações.
Existem vários estudos que alertam para o perigo de novas pandemias especialmente zoonoses, que são doenças causadas por micróbios que originalmente infestam animais. De fato, nossa memória é curta. Esquecemos rapidamente de algumas epidemias recentes como zika, ebola, vaca louca, gripe aviária etc. As causas são as alterações ambientais que impulsionam a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas.
Se não forem adotadas estratégias preventivas que incluam proteção maior ao meio ambiente, surgirão outras pandemias talvez piores que a covid-19. A destruição da natureza tem seu preço. Talvez estamos para entrar na “era das pandemias”. Se já não entramos.
Mas por que não se tomam medidas preventivas? Por que não se faz o que se pode fazer para evitar o pior? Penso que temos algo pior que a pandemia que atravessamos. Estamos em meio a uma “crise ética”, a qual inclui perda de valores e referências morais. Não se reage a mal feitos, má administração e falta de rumos nas políticas públicas. A vitória da esperteza em detrimento da justiça é diária.
No entanto, temos de ter confiança e esperança para sairmos desta crise sanitária, política e econômica, melhores que antes. Mais solidários e comunitários. São muitos os sinais de esperança, dados por pessoas que deram exemplo de solidariedade e amor ao próximo durante esta pandemia. Muitos destes heróis do dia a dia, que surgiram durante a pandemia, nos devem comprometer na construção de uma sociedade renovada por valores que preservam a vida humana.
Para isso precisamos de mais cuidado com o outro e com a natureza. A tecnologia não pode nos desumanizar, mas ao contrário, nos tornar mais humanos. Devemos rejeitar os assaltos à democracia. Devemos aprender a crescer com as adversidades, através da disciplina, resiliência, criatividade e determinação. É urgente uma melhor e mais justa distribuição de renda. Dizer não à polarização e à cultura da intolerância, combatendo o mundo da “pós-verdade” baseado nas fake news.
Se nos empenharmos em fazer o que podemos, o que está em nossas mãos realizar, Deus jamais deixará de nos ajudar e conduzir a um destino feliz e promissor para todos. Deus, porém, não fará o que podemos fazer por nós mesmos.
Há uma certa preguiça em fazer o bem. Preguiça ou acomodação em reverter esta situação de desastre iminente com esta crise ecológica. Na demora, muitas vezes está o perigo, pois, como dizia Heródoto: “o homem que adia está constantemente em luta com a ruína”.
* Artigo de Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo da Diocese de Santo André
Source: Diocese