Frequentemente ouvimos dizer que nossa sociedade está em crise, uma crise sem precedentes, porque afeta diretamente o ser humano: “crise antropológica”. A crise em si mesma não é ruim, tanto na vida pessoal como social, pois nos faz crescer, se a assumimos e buscamos soluções. Como a própria palavra diz no seu significado original grego, crise é momento de separação, discernimento e escolha.
A crise que atravessamos no seu aspecto mais evidente é uma crise moral, ética. Perdemos referências e valores morais. Não há reação ao mal, à má administração, à violência, nem preocupação com o sofrimento alheio. É a vitória da esperteza e do levar vantagem em tudo. Principalmente falta direção ao conjunto da sociedade para resolver os graves problemas que a afeta.
Nestes últimos anos, cresceu o número dos moradores de rua nas cidades, a fome vai se espalhando. As vítimas de um sistema social injusto e desigual, numa sociedade onde há sempre mais ricos, a custa da multiplicação da miséria, tendem a ser absorvidas nas estatísticas. Acabam vistas como um fato natural de um “novo normal” (perverso). É a “banalidade do mal” no dizer da filósofa Hannah Arendt.
Em meio a tudo isto, Jesus nos convida a olharmos mais atentamente para as necessidades dos pobres. Para estarmos bem com Deus precisamos passar pela vida do próximo, pois o maior mandamento é o amor a Deus que passa pelo amor aos irmãos.
Daí o grande apelo à solidariedade que brota do Evangelho. Quando nos lembramos dos dez mandamentos, é nítido que o amor de Deus vem primeiro na ordem dos princípios, mas o amor ao próximo vem primeiro na ordem prática, como ensinou Santo Agostinho.
Temos necessidade de vencer a cultura individualista, na qual estamos mergulhados. Ela degrada as relações sociais em especial as relações familiares. Somos levados a pensar que para sermos felizes precisamos amar primeiro a si mesmo, como se uma áurea egocêntrica, centrada em si mesmo é que vale a pena: eu em primeiro lugar e acima de tudo e de todos, o resto não interessa.
Diante da crise moral, política, sanitária, econômica, etc. que atravessamos, é necessário voltar aos dez mandamentos da Lei de Deus, os quais Jesus resumiu num só mandamento: Amar. Há necessidade de uma mudança, conversão pessoal, individual e social neste sentido.
A responsabilidade de cada é evidente, mas também a responsabilidade do Poder Público que, de forma coordenada e planejada deve ser capaz de implementar políticas públicas, para termos uma sociedade mais justa e fraterna. É isto que justifica a existência do Estado, dos governos e da política, a qual é trabalho em prol do bem comum.
Jesus fala de um olhar interior luminoso. O olho não tem luz própria, mas iluminado pela fé em Deus e no próximo torna-se janela da alma, capaz de enxergar as soluções e viabilizá-las. É preciso um olhar diferente sobre o mundo, um olhar de compaixão e misericórdia. Veremos que em qualquer momento de crise, isto faz a diferença.
* Dom Pedro Carlos Cipollini, Bispo diocesano de Santo André
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