A partir deste mês de janeiro, nosso pároco, padre Rafael, nos guiará em uma série de aulas sobre o Jubileu, um tema de profunda riqueza espiritual e histórica na tradição da Igreja. Essas aulas nos ajudarão a compreender o significado do Jubileu, seu objetivo, e o processo histórico que o tornou parte integral da vida da Igreja Católica.
O Jubileu, ou Ano Santo, é uma prática enraizada na legislação bíblica e desenvolvida ao longo dos séculos, especialmente no período medieval, como um tempo de graça, renovação espiritual e reconciliação. Padre Rafael nos conduzirá em uma jornada que começará com as origens bíblicas, destacadas no livro do Levítico, passando pela adaptação cristã dessa tradição e culminando nos jubileus universais celebrados até os dias atuais.
Essa caminhada é especialmente relevante em preparação ao Jubileu de 2025, recentemente proclamado pela Igreja. Convidamos todos a lerem esses conteúdos, que serão uma oportunidade valiosa para aprofundarmos nossa fé, conhecermos mais sobre a história da Igreja e nos prepararmos espiritualmente para este tempo de graça. Vamos juntos mergulhar nessa tradição que une a dimensão bíblica, teológica e comunitária da nossa fé.
JUBILEU NA BÍBLIA E NA TRADIÇÃO DA IGREJA
A presente aula tem por objetivo apresentar, de modo sucinto, o processo histórico que culminou na instituição do Jubileu ou Ano Santo para a Igreja Católica. O enfoque é a origem dos jubileus universais (ordinários e extraordinários) ao longo da História da Igreja. Apresentando as bases oriundas da legislação veterotestamentária, parte-se para as especificidades do sentido cristão dos jubileus surgidos e consolidados no período medieval, especialmente a partir do século XIV. Às portas da celebração de um novo jubileu proclamado para o ano de 2025, o presente conteúdo busca oferecer os elementos bíblicos e teológicos implicados nessa tradição cristã que avançou os séculos e chegou aos nossos dias.
1. O Jubileu na Bíblia
É preciso ter presente que se trata de uma lei para Israel. Nesse sentido, o livro do Levítico é uma referência imprescindível (Lv 25,8-66). “Quando entrares na terra que eu vos dou, a terra guardará um sábado para Iahweh. Durante seis anos semearás o teu campo; durante seis anos podarás a tua vinha e recolherás os produtos dela. Mas no sétimo ano a terra terá seu repouso sabático, um sábado para Iahweh: não semearás o teu campo e não podarás a tua vinha, não ceifarás as tuas espigas, que não serão reunidas em feixes, e não vindimarás as tuas uvas das vinhas, que não serão podadas. Será para a terra um ano de repouso” (Lv 25,1-5). Com relação ao ano jubilar, o mesmo livro bíblico recorda: “Contarás sete semanas de anos, sete vezes sete anos, isto é, o tempo de sete semanas de anos, quarenta e nove anos. No sétimo mês, no décimo dia do mês, farás ressoar o toque da trombeta em todo o país. Declarareis santo o quinquagésimo ano e proclamareis a libertação de todos os moradores da terra. Será para vós um jubileu: cada um de vós retornará a seu patrimônio, e cada um de vós voltará ao seu clã.” Lv 25,8-10. Assim, o nome jubileu deriva do termo yôbel, que significa a trombeta com a qual era proclamado o início de um novo ano. “A lei prescreve que, depois de 49 anos, cada qual retome a propriedade de sua terra; nesse ano o terreno não deve ser cultivado. (…) a lei expressa uma ideia bastante antiga em Israel, remontando provavelmente aos tempos pré monárquicos: a ideia de que Iahweh era o verdadeiro proprietário das terras e que os israelitas eram apenas os seus usuários. (…) Os israelitas tinham a firme convicção de que um monopólio de terras nas mãos de uns poucos seria contrário à vontade de Iahweh: o monopólio da terra é um dos males sociais denunciados pelos profetas” (MCKENZIE, 1984, p.511s.). Destacam-se, desse modo, no Antigo Testamento, os elementos que perpassam o jubileu: trata-se de uma lei divina, parte da compreensão de que tudo pertence a Deus, o espaço e o tempo, tudo tem em Deus o seu dinamismo, o trabalho e o descanso. Sem dúvidas, o sábado está no cerne da instituição jubilar. Embora ancorada na lei divina, a instituição jubilar do antigo Israel incidia diretamente nas questões de ordem econômica e social.
Mas é preciso que estudemos o modo como a prática do jubileu passou à tradição cristã. A ideia de um tempo favorável à pacificação das relações, perdão das dívidas, restituição de bens e libertação dos cativos inspirou a tradição cristã desde os primórdios desta prática na Idade Média. Diferentemente do jubileu veterotestamentário, a noção cristã embasa-se sobre a economia do espírito e da graça divina, na perspectiva de reavivamento do princípio de redenção. Portanto, não se pode falar de uma continuidade com o conceito teológico elaborado no Antigo Testamento. Novas práticas perpassam a tradição cristã. “Com o termo jubileu, a partir de 1300, se indica, na tradição cristã, a remissão plenária de todas as penas eternas para o cristão que, depois de se ter devidamente confessado e ter obtido a absolvição dos pecados, vai rezar em Roma”. (BARONE, 1998, p.842). Descortina-se a noção penitencial, de perdão das penas por meio da noção de indulgência concedida pelo Romano Pontífice no exercício de seu primado e do poder das chaves. Vale a pena percorrer os desdobramentos históricos dos acontecimentos jubilares a partir dessa base teológico doutrinal. (Cf.: DEL RE, s/d, pp.23-26).
Fragmento de Afresco, Giotto, Bonifácio VIII proclama o jubileu de 1300, Roma, São João de Latrão