O tempo do calendário passa, para alguns mais rápido, para alguns mais devagar, dependendo da situação da vida, dos sofrimentos e das alegrias. Parece que os tempos sofridos se arrastam por longos períodos, deixando o relógio mais lento, enquanto os períodos alegres passam como que num piscar de olhos. Essa distorção do tempo dentro do tempo acontece quando ao tempo é dado outro sentido: o existir, o que no âmbito da fé poderíamos dizer que é a influência da espiritualidade.
Essa influência vivencial molda, faz passar de jeitos diferentes o tempo. A ansiedade, trazer o futuro para o presente, bem como arrastar o passado para a atualidade também maculam o senso de tempo. Isso ficou muito evidente, por exemplo, quando do início da pandemia, há cerca de dois anos, quando súbita e tristemente a rotina mudou. Eram muitos os relatos de pessoas que perderam completamente o sono e desenvolveram inúmeros transtornos.
É possível que o leitor esteja estranhando muito que o início deste texto sobre quaresma tenha tratado de tudo, menos deste querido e santo tempo da Igreja. Mas como nos bons tratados pedagógicos, é preciso ambientar primeiro. Já se escreveu muito sobre quaresma e os textos clássicos e belos são hoje muito difundidos. O presente, neste tempo de retomada após os maiores tumultos da pandemia, deseja chamar a atenção para um aspecto muito importante do tempo quaresmal, a retomada da boa rotina, dos projetos, de aproveitar bem o tempo.
A quaresma é o tempo de retomar um ritmo normalizado de fé. A palavra “normal” hoje não é muito bem vista. Aqui, contudo, foi utilizada para introduzir o sentido de santificante. Nesta pandemia, infelizmente, muita gente declarou, sem escrever uma linha, simplesmente deixando a certidão de batismo na gaveta, que o sagrado e a comunidade não são importantes. Dizer de um ritmo normal ou santificante da vida seria bem complexo, especialmente com os estereótipos de normalidade ou de santidade, que muitas vezes podem mais complicar que ajudar os fiéis a encontrar seu caminho para seguir Jesus.
O tempo de conversão chegou. É o tempo de ajeitar o tempo, tempo de não antecipar o futuro, trazendo preocupações desnecessárias, afinal, lembremos os pássaros do céu: “não semeiam, bem colhem, nem guardam em celeiros. No entanto o vosso Pai celeste os alimenta” (Mt 6,26). E tempo de curar as marcas feridas do passado, perdoar a quem porventura tenha feito o mal.
É tempo de voltar à Santa Missa, tempo de voltar a ajudar nas comunidades das paróquias, tempo de rezar pela paz, nestes tempos a paz externa, mas especialmente a paz do interior do próprio coração. Os antigos se cobriram de saco e cinza, em penitência pelos pecados e pedindo misericórdia a Deus. Nesta quaresma que as orações, o jejum, a esmola e todos os sacrifícios da Igreja ajeitem o tempo dos homens ao tempo de Deus, quando enfim a alegria reinará.
Pe. Hamilton Gomes do Nascimento
Reitor da Casa de Formação Filosófica da Diocese de Santo André
Pároco da Paróquia Cristo Rei de Diadema
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