

Jusepe de Ribera, Êxtase de São Francisco, séc. XVII
Entre março e maio de 1225, Francisco de Assis, quase cego em decorrência de uma doença nos olhos, recolhido em São Damião, depois de receber os estigmas no Monte Alverne, compõe o Cântico das Criaturas, também conhecido como Cântico do Irmão Sol. Foi pouco antes de sua morte, quando alcançou do próprio Deus a promessa da vida eterna: “Pode-se imaginar, então, com quanta exultação não se alegrou o bem-aventurado homem com tão feliz promessa! Com quanta paciência, mas também com quanto amor abraçou os sofrimentos do corpo! Agora ele mesmo o sabe perfeitamente, mas naquele tempo não foi capaz de contá-lo. Aos companheiros, contudo, relatou pouca coisa. Só mesmo o que pôde. Nessa ocasião, compôs alguns Louvores das Criaturas, exortando-as a louvar sempre o Criador”1.
Assim, estamos comemorando 800 anos da composição desse poema que se tornou uma grande inspiração para a espiritualidade cristã. Talvez a maior mensagem que este hino nos deixe é o fato de a criação ser um meio maravilho de louvor à grandeza e à beleza do Criador, além do fato de ensinar ser possível o louvor a Deus em tempo de sofrimento e dor. Sem dúvidas que, em tempo de tanta degradação da vida, o hino de São Francisco continua a ser um olhar profundo aos insondáveis desígnios de Deus, perfeito em todas as suas obras, que lança esperança à trajetória humana. É convite à oração em um vivo abraço à realidade da vida.
Mas o que podemos aprender com essas palavras poéticas que São Francisco exclamou como num êxtase? Primeiramente a visão que ele tinha – e que é a visão cristã – sobre toda a natureza criada como obra das mãos de Deus. Nesse sentido, o texto é quase que uma reverberação do Salmo 104(103) que canta o esplendor da criação e a gratidão a Deus, que brota do coração de quem contempla sua grandeza e esplendor em tudo o que Ele fez. Sim, Deus é criador, fonte e origem de nossa vida e, em todas os seres criados e em todas as coisas, refletem-se sua beleza e bondade. Como lemos no Gêneses no relato da criação: “Deus viu que tudo o que tinha feito era muito bom” (Gn 1,31). A harmonia de todos os elementos, o misterioso equilíbrio entre todas as coisas, as cores, as formas, a grandeza e a pequenez, as temperaturas, os ciclos, tudo é dom que brota do amor de Deus, fonte da nossa vida.
Outro aspecto importante que o Cântico das Criaturas nos ensina é que, de tudo o que Deus criou, nada está separado. Sim, somos parte de uma imensa vida. O uso da expressão irmão e irmã que São Francisco utiliza para referir-se aos elementos da criação nos leva a esse sentimento de uma fraternidade universal, não apenas entre os seres humanos entre si, mas também destes com toda a natureza. Todos os seres se ligam numa bela sinfonia de amor, de ação de graças pela vida. Por isso, mais do que nunca, em nossos tempos tão marcados pelo esvaziamento de sentido da vida, pelo individualismo, pela solidão e pela tristeza, contemplar a criação e louvar a beleza do Criador nela refletida, bem como o sentir-se parte desse misterioso dom da vida, é caminho de alegria ao coração e de redescoberta do sentido da vida. Com São Francisco, precisamos recuperar o sentido do louvor e do maravilhar-se em Deus!
Um terceiro aspecto que podemos destacar da meditação do Cântico das Criaturas, é o desejo de transcendência, o desejo da eternidade, a busca do céu. Francisco encontrava-se no declínio de sua existência neste mundo, marcado pelas muitas fragilidades físicas, sobretudo a cegueira. Ele tinha grande anseio por alcançar de Deus o consolo da promessa do céu. Quando, em sua profunda união mística com Cristo, na experiência da oração, sente-se consolado pela promessa de salvação e pela garantia do céu, seu coração explode em louvores ao Criador. Todo o sentido de cuidado ecológico que temos visto crescer em nossos dias e que é cada ver mais urgente para que se revertam as ações de degradação, devem ter em seu bojo a esperança de estarmos cada vez mais unidos ao nosso Criador, de quem viemos e para quem voltaremos. Do paraíso terrestre endereçamo-nos pressurosos ao paraíso eterno, celeste, onde Deus será tudo em todos (cf.: 1Cor 15,28). Então serão novos céus e nova terra (cf.: Ap 21,1). São Francisco nos ajuda a cultivar uma espiritualidade plena de confiança, alegria e gratidão, mesmo em meio às nossas fragilidades, na busca de um estilo de vida mais despojado, simples, pautado no essencial. E este é outro grande ensinamento para os nossos dias que precisam redescobrir o sentido do eterno, de tal modo que compreendemos o sentido da ecologia integral de cuidado com a vida em toda a sua amplitude de eternidade.
Mas, deixemos uma vez mais, que as próprias palavras poéticas e místicas do pobrezinho de Assis, ressoem aos nossos ouvidos para nos maravilhar e fazer exultar pela vida!
Altíssimo, onipotente, bom Senhor, teus são os louvores, a glória e a honra e toda a benção
Só a ti, Altíssimo, eles convêm, e homem algum é digno
de te mencionar.
Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente, com o senhor irmão sol, o qual é dia, e por ele nos alumias.
E ele é belo e radiante com grande esplendor, de ti, Altíssimo, é sinal.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã lua e as estrelas, que no céu formaste claras,
preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão vento,
pelo ar e pelas nuvens,
pelo sereno e todo o tempo,
pelo qual às tuas criaturas dás sustento.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água,
que é mui útil e humilde e preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo,
pelo qual iluminas a noite.
E ele é belo e jucundo e robusto e forte.
Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a mãe terra, que nos sustenta e governa, e produz frutos diversos
e coloridas flores e ervas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelos que por teu amor perdoam,
e sustentam enfermidades e tribulações.
Bem-aventurados os que as sustentam em paz, pois, por ti, Altíssimo serão coroados.
Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal,
da qual homem algum pode escapar.
Ai daqueles que morrem em pecados mortais:
Bem-aventurados os que a morte encontrar dentro de tuas santíssimas vontades, porque a morte segunda não lhes fará mal.
Louvai e bendizei a meu Senhor
e rendei-Lhe graças e servi-O com grande humildade2.
Altíssimo, onipotente, bom Senhor, teus são os louvores, a glória e a honra e toda a benção
Só a ti, Altíssimo, eles convêm, e homem algum é digno
de te mencionar.
Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente, com o senhor irmão sol, o qual é dia, e por ele nos alumias.
E ele é belo e radiante com grande esplendor, de ti, Altíssimo, é sinal.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã lua e as estrelas, que no céu formaste claras,
preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão vento,
pelo ar e pelas nuvens,
pelo sereno e todo o tempo,
pelo qual às tuas criaturas dás sustento.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água,
que é mui útil e humilde e preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo,
pelo qual iluminas a noite.
E ele é belo e jucundo e robusto e forte.
Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a mãe terra, que nos sustenta e governa, e produz frutos diversos
e coloridas flores e ervas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelos que por teu amor perdoam,
e sustentam enfermidades e tribulações.
Bem-aventurados os que as sustentam em paz, pois, por ti, Altíssimo serão coroados.
Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal,
da qual homem algum pode escapar.
Ai daqueles que morrem em pecados mortais:
Bem-aventurados os que a morte encontrar dentro de tuas santíssimas vontades, porque a morte segunda não lhes fará mal.
Louvai e bendizei a meu Senhor
e rendei-Lhe graças e servi-O com grande humildade2.

Giotto, Pregação aos pássaros, afresco, séc. XIII, Basílica Superior de São Francisco

Domenico Ghirlandaio, São Francisco recebe os estigmas, Florença, 1486

Domenico Ghirlandaio, morte de São Francisco, Florença, 1486.

Ettore Calvelli, medalha em bronze, 1961.

Albert Chevalier Tayler, São Francisco de Assis, óleo sobre tela, 1898

Frank Cadogan Cowper, São Francisco de Assis e a melodia celeste, coleção privada, 1904.

Aldo Carpi, São Francisco, pastel, 1922.

Francesco Tabusso, Cântico das Criaturas, Milão, 1975.

Piero Casentini, Cântico das Criaturas, Sacro Convento, Assis.

Piero Casentini, Cântico das Criaturas, Sacro Convento, Assis.

Cândido Portinari, São Francisco prega aos pássaros, Museu Casa de Portinari, Brodowski, 1940.
- Tomás de Celano, Segunda Vida de São Francisco, 161, 213, 7-11, in FASSINI, DORVALINO FRANCISCO (Coord.), Fontes Franciscanas, Santo André, Editora “O Mensageiro de Santo Antônio”, 2004, p.424.
- FASSINI, DORVALINO FRANCISCO (Coord.), Fontes Franciscanas, Santo André, Editora “O Mensageiro de Santo Antônio”, 2004, pp.123s.